CAR-NK: conheça terapia celular com potencial de combater câncer a partir de doadores de sangue saudáveis
01/08/2024
Técnica em desenvolvimento na USP de Ribeirão Preto utiliza método semelhante à CAR-T, mas possui vantagens por não depender do material do próprio paciente. Projeto recebeu R$ 50 milhões em investimentos para preparação dos testes clínicos. CAR-NK é mais uma forma de tratamento que utiliza o método CAR para enfrentamento do câncer
Reprodução/Hemocentro de Ribeirão Preto
Uma terapia celular obtida a partir da modificação das células de defesa de doares externos é uma das mais recentes técnicas com potencial de tratamento contra o câncer em desenvolvimento no interior de São Paulo.
Em estudo no Centro de Terapia Celular do Hemocentro, fundação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP), da USP, a Car-NK é uma inovação parecida com a CAR-T, pesquisada pela mesma instituição e aplicada contra leucemia linfoblástica B e linfoma não Hodgkin de células B, mas não depende da coleta de material do próprio paciente e pode ser realizada a partir do sangue de outra pessoa.
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“CAR” é a sigla em inglês para “Receptor de Antígeno Quimérico”. Essa técnica modifica as células de defesa do organismo, os glóbulos brancos, para que sejam capazes de identificar outras células cancerígenas e enfrentá-las de forma específica e direcionada.
Segundo Virginia Picanço e Castro, pesquisadora responsável pelo projeto, uma das maiores vantagens da CAR-NK em relação à CAR-T é que, como a primeira pode ser obtida de doadores externos, o paciente recebe a terapia muito mais rápido, pois, quando ele precisa, ela já está pronta para uso.
“Na CAR-T, o paciente chega, a gente tem que retirar as células, faz a manufatura que demora 15 dias mais ou menos, e aí o paciente recebe esse produto de volta. É de um paciente para ele mesmo. Com a CAR-NK, a tecnologia é muito parecida. O que muda é a célula de origem. Então, quando a gente muda para a NK, ela pode ser retirada de um doador saudável”, explica.
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Pequisa da CAR-NK é desenvolvida no Hemocentro do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto
Reprodução/Hemocentro de Ribeirão Preto
O projeto ainda está em fase de desenvolvimento e os estudos clínicos ainda não foram iniciados. Um investimento de R$ 50 milhões foi realizado via edital “Mais Inovação Brasil”, do governo federal. Com esse aporte, a equipe espera conseguir iniciar a fase de testes clínicos em até três anos.
No ano passado, o projeto recebeu o prêmio internacional “Top Scoring Emerging Economy Abstract Award”, da International Society for Cell & Gene Therapy, em Paris, pela pesquisa promissora a ser desenvolvida.
Vantagens da CAR -NK
Segundo Virginia, a principal vantagem do método NK é ter o produto para uso imediato, uma vez que muitos pacientes chegam debilitados e necessitam de urgência no tratamento, como em caso de tumores agressivos.
Com a CAR-T, o material coletado é autólogo, ou seja, retirado do tecido do próprio paciente. Com a Car-NK, isso pode ser feito a partir do material de outro doador. Isso permite deixar as células modificadas congeladas e prontas para uso pelo paciente, sem a necessidade de espera para a manufatura e preparação do tratamento.
“Às vezes os pacientes já estão tão debilitados e eles não têm células saudáveis para extrair a célula T deles. Elas não conseguem se expandir e serem modificadas e, então, a gente tem o que se chama de falha de manufatura. Com doador saudável, a gente não tem esse problema.”
Além disso, ela afirma que a CAR-NK tem mecanismos diferentes para eliminação das células tumorais. Ela pode ser utilizada, inclusive, em pacientes que não tiveram sucesso no tratamento com a terapia CAR-T, sendo uma nova alternativa para essas pessoas. Ou seja, segundo a pesquisadora, as duas terapias são complementares.
A CAR-NK também pode ser mais barata, pois com uma única manufatura realizada com o material de apenas um doador, ela atende a vários pacientes, ao contrário da terapia CAR-T que só pode ser utilizada de um indivíduo para ele mesmo, sem aumentar a escala de produção. Essa diferença pode, segundo a pesquisadora, diminuir o custo de todo o processo.
A pesquisa é liderada pela Dra. Virgínia Picanço e Castro
Reprodução/Hemocentro de Ribeirão Preto
Que tipos de câncer poderão ser tratados?
As duas terapias pesquisadas no HC só podem ser usadas para leucemia linfoide aguda de células B ou o linfoma não Hodgkin de células B. Porém, a pesquisadora explica que existem outros “CARs” que estão em andamento e podem ser aplicados em vários outros tipos e câncer.
“O que está mais estruturado aqui na instituição é o CAR que é o que usado na célula T. Para outros tumores, você pode trocar o receptor, que é o que a gente vem fazendo, mas aí está em fase de pesquisa. A gente tem mais experiência com o [receptor] CD19, mas não significa que os outros não vão dar certo. Os outros tipos ainda estamos iniciando”, diz.
Outros laboratórios e centros de pesquisa no mundo desenvolvem também pesquisas para outros tipos de tumores, inclusive sólidos.
Linfoma não Hodgkin de células B, tipo de câncer combatido pela terapia com células CAR-NK
Nephron/Wikimedia Commons/CC BY-SA
O caminho até os testes clínicos
Com o investimento recebido para o desenvolvimento do projeto, os pesquisadores poderão cumprir todas as etapas necessárias para iniciar a fase clínica. Etapas como prova de conceito, para testar a eficácia da terapia, já foram cumpridas e o resultado animou a equipe.
“A gente testou em laboratório e em vivo, utilizando o modelo animal que a gente tem. A gente vai agora preparar todas as produções e o que a gente chama de boas práticas de laboratório, já visando a aplicação em humanos”, diz.
O caminho é longo e envolve controle de qualidade, cumprir as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e todas as etapas necessárias para segurança dos testes clínicos.
CAR-T já está em fase de testes
A terapia com CAR-T já está na fase de estudos clínicos. Em março deste ano, os pacientes começaram a receber o tratamento e os dados serão encaminhados à Anvisa para avaliação de segurança e eficácia.
Os testes clínicos devem durar um ano, mas todos os pacientes serão acompanhados pelos próximos cinco anos.
A expectativa é de que a Anvisa possa registrar a nova terapia em 2025, para que seja disponibilizada aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).
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